Nesta quinta-feira (12), celebra-se o Dia dos Namorados. Para muitas mulheres, a data especial é marcada pela troca de presentes e afetos nas redes sociais, mas, para outras, pode representar traumas e feridas deixadas por quem deveria cuidar e proteger.
Segundo o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam), divulgado em março pelo Ministério das Mulheres, 2024 contabilizou 1,5 mil feminicídios e mais de 2,4 mil mortes dolosas (quando há intenção de matar). Grande parte dos casos envolveu, principalmente, companheiros e ex-companheiros.
Apesar de os dados apresentarem queda de 5,07% se comparados a 2023, quando foram registrados 1.438 feminicídios e 2.707 casos de homicídios, conforme a pesquisa, os números são alarmantes e levantam um questionamento: quando “cortar o mal pela raiz” antes que seja tarde demais?
Conforme Magdalen Schaffer, assessora do Chame (Centro Humanitário de Apoio à Mulher), ligado à Secretaria Especial da Mulher (SEM), o apontamento acima ainda é reflexo de um machismo estrutural no Brasil. Em Roraima, não é diferente. Pelo segundo ano consecutivo, o Estado registrou a maior média de mortes de mulheres para cada cem mil habitantes. Os dados são do Atlas da Violência 2025. Por isso, o programa do parlamento realiza palestras constantes de alerta e conscientização para o fim das agressões.
Conforme Magdalen Schaffer, assessora do Chame, levantamento é reflexo do machismo estrutural no Brasil – Eduardo Andrade/SupCom ALE-RR
“Aqui no Chame, orientamos quem nos procura e, também, multiplicamos informações por meio de palestras em escolas, empresas e órgãos públicos, na tentativa de reverter esse quadro. Muitas que estão imersas em um relacionamento abusivo não conseguem se enxergar nele. A partir do momento em que alguém de fora faz um alerta, elas passam a ter um olhar diferenciado sobre as ações do parceiro”, frisou.
Ainda segundo a advogada, grande parte dos abusadores se utilizam desta data para manipular ou ocultar a situação problemática da relação, presenteando a companheira e sendo carinhoso com ela.
“Desta forma, o homem tenta convencer a mulher de que ela está em um bom relacionamento, de que a relação tem salvação, de que ele vai mudar. Isso faz com que ela tenha ilusão e se mantenha nesse ciclo de abuso. A principal orientação é que elas reflitam que o mais importante é o respeito e não a entrega de presentes. Elas não podem se deixar levar pela mudança de apenas um dia”, preveniu.
Apoio psicológico
Marcilene Melo, psicóloga do Chame, explica que relacionamento abusivo ocorre de forma mascarada – Eduardo Andrade/SupCom ALE-RR
Marcilene Melo, psicóloga do Chame, explica que o relacionamento abusivo ocorre de forma mascarada e se divide em fases. Ela detalha que todo relacionamento se inicia com gentilezas, carinho e palavras que as mulheres gostam de escutar. “Ninguém começa uma relação brigando com o parceiro”. Passada essa fase, inicia-se a segunda: momento no qual a vítima começa a perceber que o comportamento do companheiro ultrapassou alguns limites.
“É nesse momento que a mulher deve ficar atenta a alguns sinais, como mudança no tom de voz, quando começa a impedi-la de ter contato com amigos e familiares, porque a intenção é fazer com que aquela mulher fique completamente dependente dele e não procure meios de sair da relação”, alertou.
A psicóloga destaca que, nesse tipo de relacionamento, o agressor mantém a mulher em uma espécie de “cárcere privado velado”, com a desculpa de que a ama e a está protegendo. Ao passo que a vítima percebe que aquilo já não está mais normal e decide terminar a relação, o parceiro não aceita, por medo de ser denunciado, principalmente.
“A maioria também fala que vai mudar e voltar a ser o mesmo que era antes, e que se comportou de tal forma porque a companheira deu motivos, ou seja, o culpado sempre transfere a culpa para a vítima. É nesse momento que entra a fase da ‘lua de mel’, na qual ela desculpa o homem, na falsa crença de que ele irá mudar. Esse ciclo vai perdurando até o momento em que ela consegue, realmente, deixar quem lhe fez mal”, ressaltou.
Sequelas
De acordo com a especialista, a principal sequela deixada para a vítima de relacionamento abusivo é o transtorno do estresse pós-traumático. Esse estresse é acompanhado de outros transtornos, como ansiedade, depressão e síndrome do pânico.
“Quando a paciente é diagnosticada com uma dessas doenças, ela perde a ciência de normalidade, porque ela passa a sentir não apenas os sintomas emocionais, mas os físicos também. Geralmente, a mulher que passa por isso, acaba repetindo o comportamento e se relaciona com homens parecidos. Quando elas encontram homens bons, acabam se achando não merecedoras daquela pessoa”, enfatizou.
Acolhimento
O papel do psicólogo é primordial para a recuperação da mulher que sofreu violência doméstica, sendo o acolhimento dessa vítima o primeiro passo, conforme pontuou Marcilene.
“Essa mulher está completamente vulnerável e precisa ver e entender que alguém se importa com ela. O psicólogo vai, justamente, fazer com que ela se enxergue e perceba o quanto é importante, primeiramente para ela e, depois, para a família e amigos. É preciso voltar a ter o brilho que perdeu após o relacionamento”, concluiu.
Atendimento humanizado
O Chame disponibiliza atendimento humanitário psicológico e social, composto por psicólogas e assistentes sociais. O local possui uma sala de escuta adequada, onde a assistência é prestada com respeito, cuidado e responsabilidade, devido ao estado fragilizado no qual as vítimas chegam.
O programa também faz orientações jurídicas para quem busca por atendimento, como informações sobre direitos (medida protetiva – mecanismo que tem por objetivo proteger um indivíduo em situação de risco – pensão alimentícia, guarda compartilhada ou unilateral, canais de denúncias, processos judiciais e outros procedimentos legais.
Os atendimentos presenciais são de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, na Avenida Santos Dumont, 1470, bairro Aparecida. Em Rorainópolis, o núcleo funciona nos mesmos dias e horários, na Avenida Dra. Yandara, 3058, Centro. Há também a ferramenta ZapChame, no (95) 98402-0502, que funciona 24h, inclusive nos finais de semana e feriados.
Rede de apoio
A Casa da Mulher Brasileira é um espaço que reúne várias entidades que compõem a rede de apoio às vítimas de violência doméstica e familiar. Conforme Kamilla Basto, delegada adjunta de Atendimento Especializado à Mulher (Deam), a Polícia Civil tem melhorado sua estrutura para receber essas mulheres, como a instituição do plantão 24h por dia, todos os dias da semana.
Kamilla Basto, delegada adjunta da Deam – Nonato Sousa/SupCom ALE-RR
“É um trabalho de conscientização com as outras entidades que ocupam a unidade. Acreditamos que, com essas ações, a tendência é que ocorra uma diminuição real dos casos. Temos, ainda, trabalhado a punição desses agressores, investigando e levando adiante até o Ministério Público, para que haja denúncia, condenação e sejam desestimulados a continuar essas práticas”, ressaltou.
A delegada salientou que no último mês, em Boa Vista, ocorreram três feminicídios e uma tentativa. Todos os suspeitos estão presos.
“É muito triste vermos isso, mas são situações que realmente acontecem e estamos aqui para atuar e agir sempre que formos acionados. Os três agressores do feminicídio consumado e o outro do tentado estão presos e, na medida em que temos trabalhado, estamos alcançando dados positivos quanto à punição dos criminosos”, concluiu.
No local, ao entrarem com a demanda, as assistidas são ainda encaminhadas ao setor psicossocial e atendidas por uma psicóloga, e, caso queiram, são levadas à delegacia para prestar queixa ou para a defensoria, onde são oferecidos suportes na área cível, para resguardo dos direitos inerentes às vítimas, principalmente as dependentes financeiramente.
Texto: Suzanne Oliveira
Fotos: Eduardo Andrade | Nonato Sousa | Jader Souza
SupCom ALE-RR